Parte.




Eu sou feita de caminho.

As veias e artérias espalhadas e ramificadas em complexos preâmbulos de um coração absoluto, capital intrínseca do universo que somos nós, esses seres não todo selvagens, não todo razão, mas acima de tudo potência. Potencia: possibilidade de sofrer uma mudança, transformação. Potencia é caminho. Nós somos feitos de caminhos. Os caminhos que já percorremos. Pra onde vamos e de onde viemos. Trajetórias, rumos, rios. Acima de tudo, caminhos.

Feitos de caminho somos mutáveis, subjetivos. Conceituais, absurdos, conflito. Tráfego e semáforo. Avenida, ruela, beco. Vistos e revistos, necessitamos ser revisitados, não compreendidos. Abstração e inconsciente, caminho. Um traço é um caminho. Uma pincelada é uma estrutura. Tire da pedra o que não é cavalo e terás uma escultura. Arte é caminho, dizer o indizível, comunicar o absurdo e transpor o abismo. Ponte é caminho.

Todos os dias eu vou pra cozinha, da cozinha pra sala, da sala pro quarto. Me perco no meu labirinto sem o Minotauro. O fio de Ariadne é a arte. Menos romântica que isso, sou um rato. No esgoto sem luz, só tenho o tato. Meus sentidos são arte, é isso que vivo, respiro, e faço. Meus caminhos são a mente, e eu me perco. Tem tráfego.

Minha mente é São Paulo. Meu subconsciente é Veneza, sem barco. Minha mente é impressionista, feroz. Meu subconsciente é Saturno devorando um filho. O tempo está acabando, mas o tempo é eterno e sou eu que estou acabando comigo. Perdida nos caminhos de mim, eu sou o labirinto.

Eu sou um girassol. Eu sou cosmo infinito. Do bucólico ao absurdismo, eu sou um conceito indefinido. Eu sou silêncio, sou alarde. De tudo, algo. Eu sou a jornada do louco, o caminho da verdade. Eu sou marcha do insano sobre a comodidade.

Eu sou uma parte.


Sub-versiva, 6 de maio de 2021

Comentários

  1. "Aquele que nunca se perdeu não se encontra jamais". Essa ideia de ser ponte, ser caminho, labirinto sem Minotauro, São Paulo e Veneza sem barco, essas vias de pensamento e as possibilidades que se abrem e explora parecem muito boas. Remete também a tantas outras coisas fora do texto, são pontes para algum lugar que aqui agora não consigo pensar. O indeterminado, aberto e inominável faz parte da gente, do caminho.

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