Por hoje.



Eu não quero mais sentir dor.

A dor é incapacitante. Na dor, eu me obrigo a respirar, pois se me deixasse levar, eu não respiraria. Na dor, eu forço meu coração a bater, porque se eu deixasse, ele pararia. Na dor, eu me encolho na cama, desejando mergulhar em um profundo estado de anestesia, em que eu não sinta, não cheire, não veja, não note. Na dor, eu preciso não ser, nem que seja por algum segundos. Eu durmo, porque é o mais próximo de inexistir sem que a coisa fique feia. Quando eu acordo, eu me culpo por ter perdido tanto tempo, e não ter resolvida nada. Eu acordo exatamente do jeito que eu estava antes.

É na dor que eu percebo esse abismo entre nós que eu e apenas eu enxergo. É também na dor que eu procuro desembaraçar minhas cordas vocais pra te pedir honestas desculpas por estar viva. É na dor que eu penso que você já tem problemas demais e é um absurdo eu estar aqui, na sua frente, sendo um deles. É na dor que eu me vejo perdendo a corrida contra tudo, a ponto de ser eu a pior pessoa no universo, no espaço, e também no tempo. É na Dor, com D maiúsculo, que eu desejo ser suprimida como um erro ortográfico dos cosmos. Na dor não há espaço pra mim, em minha própria vida.

E daria toda a minha dor pela raiva. 

Quando eu estou com raiva, eu posso direcioná-la, é simples de manejar. Quando eu odeio, eu grito, eu rasgo, eu machuco, um amasso, eu soco, eu trago, eu faço. Com raiva suficiente, eu poderia matar o presidente, poderia pintar todas as paredes da minha casa de quatro cores diferentes. Com raiva, não é culpa minha, e culpa do outro, culpa de alguém, de algo, de você, não de mim. A raiva é maleável, mobiliza. Quando estou com raiva, irei até o fim, nem que seja pra provar que eu sou melhor que aquilo que me feriu. Atravesse meu caminho quando eu estiver com raiva e eu juro, acabarei com cada pedaço de você.

É fácil lidar com o ódio.

Atravesse meu caminho quando eu estiver com dor, e eu me enfiarei na terra pra que passe por cima de mim, e pedirei desculpas por ter interrompido seu trajeto. A dor me reduz a algo que não se parece em nada com quem eu sou, enquanto a raiva faz com que eu queria me provar para o mundo.

Eu tento encontrar a raiva dentro de mim, toda aquela rebeldia contra tudo e qualquer coisa, aquilo que me fez passar por tudo que passei viva, aquela espuma escorrendo do canto da minha boca quando eu era uma criancinha, aquele orgulho de levantar a voz, mesmo estando só no mundo, porque eu tinha o meu ódio.

E só encontro a dor. Eu odeio a dor, mais eu sou a dor, e auto ódio não é ódio de verdade. Peço desculpas pra mim, por ter me decepcionado. Talvez amanhã eu odeie algo mas do que a mim mesma, e então eu faça alguma coisa, qualquer coisa que seja. Por hoje, por favor, apague as luzes.

 

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