Melancolia




"Quem não tem medo da vida
Também não tem medo da morte."
- Schopenhauer

    A melancolia é algo curioso, como uma gota de vinho tinto se espalhando lentamente por águas límpidas e translucidas. Onde a depressão é grosseira, a Melancolia é sutil. Quando a depressão paralisa, a melancolia é um atraso malicioso. A depressão mata, humilha, cospe e vomita. A melancolia envenena, contamina, envelhece e desgasta. Duas faces de uma mesma moeda do inferno.

    A morte é uma possibilidade de renascimento, catarse, como consertar algo quebrado e re-significar sua beleza maculada. Mas não há salvação para a ruína de um barco abandonado que passou 40 anos sofrendo erosão marinha. Porque quando percebemos é tarde demais, está mais que feio e desgastado: está podre por dentro. Se eu fosse um velho barco, eu afundaria e me entregaria a podridão, para que nenhum turista ou pescador pudesse se machucar confiando em mim.

    Sempre gostei de mariposas, com seus falsos olhos e suas cores sóbrias, mas o problema das mariposas é que não conseguem distinguir luz artificial dos raios solares nem que isso signifique sua sobrevivência, e eu não posso me permitir faltar no discernimento, pois passei muito tempo voando em torno do abajur. Se eu fosse uma mariposa, eu encontraria o sol a todo custo, sairia da atmosfera em sua busca, até que o vento ou o calor me matassem, insetos não estão destinados a viverem muito.

    Sempre amei a lua, com seu brilho tênue e metamorfoses cíclicas, mas a lua se esconde nas sombras, e jamais dá as costas pra ninguém, e estou cansada de nunca baixar a guarda, por isso deixarei que acesse meu lado oculto desde que não me prenda eu sua órbita, porque eu não aguento mais ser satélite. Se eu fosse a lua, surtaria com todos esses olhares sobre mim, sabendo que tem partes de mim que eles nunca conhecerão. Cansaria de rodar em volta de quem não me entende, e então eu iria embora, nem que isso significasse a solidão do espaço sideral, ou entrar em rota de colisão com algum meteoro que significaria meu fim.

    Sempre gostei das chuvas, sejam elas leves ou furiosas, com seus raios luminosos e trovões estrondosos, mas a tempestade não tem forma definida, a água cai, lava os pecados de rostos anônimos na multidão, escorre pela sarjeta, e volta a ascender aos céus, e eu não sei se posso aguentar mais dessas metamorfoses grosseiras, se eu fosse chuva eu destruiria os homens e seu reino de concreto, escorreria pelos bueiros das metrópoles, e me aninharia no âmago da terra, me recusando a começar tudo de novo.

    Não sou bucólica como um velho barco de pesca, não estou presa como uma efêmera mariposa, não sou encantadora ou misteriosa como a lua, nem sei ser sutil e ao mesmo tempo visceral como a chuva, mas eu conheço a mesma melancolia que os fez podres, condenados, cativos e exaustos. Porque a depressão é humana, mas a guilhotina da melancolia se abate sobre todo e qualquer elemento no universo.

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