Sobre monstros.

 


"Monstros são reais e fantasmas são reais também. 
Vivem dentro de nós e, às vezes, vencem."
~ Stephen King

    Sinto que estou falhando comigo mesma sempre que penso coisas assustadoras, e, acredite, eu não estou falando de múmias com ataduras pendentes ou do bicho papão das histórias infantis. Meu diabo não é aquele vermelhinho com o tridente, e meus fantasmas não se parecem em nada com crianças com lençóis brancos. Mas não se engane, isso não significa que eu não compreenda o medo lúdico: eu até penso que cresci, amadureci, mas as vezes tenho vontade de acordar minha mãe no meio da noite, e pedir ajuda, pois há um monstro encima da minha cama, há um monstro comendo da minha mesa e bebendo café na minha xícara. Eu nem precisei dizer determinado nome três vezes na frente do espelho, mas há de fato um monstro no reflexo. 

    É típico de um assassino em série dos mais cruéis, por exemplo, retalhar alguém com um objeto quase sem corte, e depois ameaçar jogar esse alguém de um lugar bem alto, descrevendo o que vai acontecer com seus ossos na queda. Ou então, sequestrar alguém e priva-lo da luz do sol, humilha-lo constantemente, manipular-lo até que ela se esqueça do sabor do vento ou a sensação da chuva. Que bizarro seria impedir que essa pessoa coma, e dizer-lhe que ela não vale o prato de comida. Imagine obrigar essa mesma pessoa a inalar fumaça cancerígena, se destruir em troca de tudo que você tirou dela. Ou simplesmente apagar pouco a pouco tudo que lhe é importante nesse mundo. Tais atrocidades são dignas dos mais famosos casos criminais, e nem em sonho passaria pela minha mente fazer algo assim (com outra pessoa que não seja eu.)

    Eu não temo fantasmas, eles são os finados que mesmo mortos continuam aqui, fiéis como cães; São translúcidos, dão opacidade aos raios do sol. São silenciosos e deslizam pelo chão sem deixar marcas; Choram em silêncio, não incomodam jamais, e há algo de singular e belo na melancolia do espectro. Se as vezes derrubam objetos ou batem portas, é porque tem medo de serem esquecidos, e isso é algo que posso compreender. Não tenho medo do assombro, tenho medo do abandono. Tenho medo da ausência, do vazio. Tenho medo daqueles que mesmo estando vivos, foram embora sem olhar pra trás. 

    Também não temo esqueletos: são apenas ossos, o que todos somos por dentro, o que nos sustenta, e o que vai sobrar depois que nossa carne se for. Tenho esqueletos em meu armário, esqueletos enterrados em meu quintal, esqueletos nas gavetas e caixas de sapato, o que um dia foi vida e hoje é memória. Esqueletos fazem de nós, todos iguais; o problema é a carne. O problema é a pele, os lábios, os olhos, o ímpeto e o ânimo. O problema é o sorriso, a lágrima, a vida. O problema é Mussolini, Kafka, Pablo Escobar, Van Gogh, Cristo, eu e você. Mas dentro de tempo suficiente, seremos todos esqueletos idêntico se postos lado a lado, e aí não haverá problema.

    Eu durmo abraçada com o bicho papão, e agora não ligo se ele usa minha escova de dentes; Advogo, condeno e cumpro pena por meus crimes contra mim mesma, e jogo xadrez sozinha na cadeia do inconsciente, tendo direito a visitas ocasionais. Eu abraço os meus encostos, que prometeram assombrar minha casa pelos próximos quarenta anos; Eu faço dos esqueletos cabides para roupas, brincos, e cordões. E quando os humanos lá fora se tornam muito assustadores, tenho todos os meus monstros pra me proteger. 

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