A maior dor do mundo

 "Tarde Chuvosa em Paris" de Joseph Zbukvic,



"I got amazing powers of observation
And that is how I know
When I try to get through
On the telephone to you 
There'll be nobody home" 

~ Nobody Home - Pink Floyd


A dor que eu sinto é a segunda maior do mundo. 

Quando me olho no espelho, vejo alguém que tem tanto medo do inesperado e da ideia da solidão, como dos esqueletos no armário e de memórias que nunca perdem a cor. Eu vejo uma criança lutando pra respirar em meio a um oceano revolto que não abre espaço pra descanso. Eu vejo uma flor vulgar tentando prosperar no árduo concreto. Eu vejo um animal sem pelo morrendo de frio.

Eu vejo você.

Quando olho pra você, vejo alguém que chegou ao fim da linha, alguém que não tem nada a perder, e está assustado com o que isso significa. Vejo alguém velho e surrado, que não aguenta fechar os olhos porque tem medo do que há por dentro das pálpebras. Vejo uma criança com pedras nos bolsos, que desistiu de respirar. Eu vejo um salgueiro em chamas, com a casca carbonizada. Eu vejo animal enfraquecido pela idade que é abandonado pela matilha.

Eu vejo a mim mesma.  

A dor que você sente é maior do que a minha. E quando, um dia, eu acordar em um mundo que você não existe, eu herdarei essa dor, a maior dor de todas.

Tudo em você grita "Adeus" e eu digo "Fica", mas torço pra você não perguntar "Porquê", pois tenho medo de não achar a resposta. A vida não é justa, mas se eu pudesse fazer um pedido, queria que você sentisse alegria uma última vez, porque eu tenho a sensação de que você esqueceu como é, perdido nesse roseiral de falsas felicidades. Eu faria você sorrir sem precisar anestesiar o mundo, e aí seriamos só nós de novo, flutuando no vácuo, e isso seria suficiente. 

Só a morte é de pedra, a vida é de fluxo, e a medida que nosso coração bate, a gente está sujeito a sangrar. Será que não havia lugar seguro? Será que nossas muralhas eram palitos de picolé, e nossa fortaleza era de areia? Você não quer tentar mais uma vez, longe da maré? Eu construiria mil castelos de areia com você, porque o que importa são as memórias que a gente criou, e ninguém vai tirar isso de você, elas existem, você só precisa encontrá-las. Por favor, não me deixe sozinha nessa praia outra vez. 

Eu não vou suportar o vazio de te perder completamente, mas quando te procuro, você já não está inteiramente aqui. A cada minuto que passa você se esvai, e o que fica é uma concha vazia, uma lacuna onde havia um ser humano. Quando eu lembrar de você, vai ser você inteiro, com cheiro de tinta e o brilho do luar. E a verdade é que eu não preciso ter medo de te perder, porque eu já perdi. 

A dor que eu sinto é a maior dor do mundo.



Sub-Versiva, 29 de junho de 2023

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