Insetos e (in)paciência


"Talvez haja apenas um pecado capital: 
a impaciência. Devido à impaciência, fomos expulsos do Paraíso; 
devido à impaciência, não podemos voltar."
Franz Kafka

Eu nunca tive muita paciência. A fragilidade me é asquerosa, ainda que a rigidez aparente maior perigo. Quando uma mísera lagarta atravessa o meu caminho, eu sinto uma raiva que não me motiva a matá-la, pelo contrário, uma raiva dela, por não poder proteger a si mesma. Penso o mesmo de pandas, coelhos e pessoas muito boas. Sinto raiva porque nunca tive a chance de ser frágil: nunca houve ninguém que desviou o passo para não pisar em mim.  Eu nunca conheci ninguém que me trate como eu trato os insetos, e sinto que a minha fragilidade nunca significou nada pra ninguém. E agora me afogo na raiva de lutar a minha batalha, a batalha de todos os indefesos do mundo, porque alguém precisa fazer por eles o que ninguém fez por mim.

Eu nunca teve muita paciência comigo. Eu não sou perfeita, o oposto. As vezes eu travo, fico estagnada. As vezes, o básico me exige tanto que não sobra força para mais nada. Mas eu não posso me dar o luxo de ser o inseto na calçada, se eu sou a primeira pessoa a pisar em mim. Eu esperaria 10 anos por por alguém que não vai voltar, mas não sei esperar até amanhã, se hoje não fui a melhor que poderia ter sido. Eu trato o mundo como gostaria de ser tratada, mas eu me trato exatamente como o mundo me tratou.

Meu pai foi a minha primeira mariposa, sempre lá, no canto da sala de jantar. Eu o amava muito, e ele, apesar de muito versado em coisas complexas, como filosofia, mimetismo, pintar ou mudar de forma, estava sempre acabava voando em torno do lustre. A minha vida inteira eu tive que apagar a luz para que ele voasse para fora, noite adentro, porque é um fato que as mariposas não conseguem voar tão perto do sol quando gostariam, então ser deixam seduzir pelas lâmpadas incandescentes. Não há como culpá-las por isso, porque são só insetos.

Chorar vira um luxo bastante fútil quando você para de acreditar que, em algum lugar do mundo existe ajuda. E aí não resta nada além de solidão, acendendo e apagando a luz, sabendo que ninguém vai fazer isso por você. Se pessoas são insetos, eu sou uma libélula, que passa cinco anos no escuro, invisível, depois rasteja pra fora da água, ganha suas asas... e morre em dois meses, pelos quais vai ser lembrada. A maioria das pessoas nunca viu uma larva de libélula. 

Por isso a maioria da pessoas não entende.   



sub-versiva, 26 de junho de 2023

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